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Foto do escritorJóyce de Brito Lima

Entre bytes e terabytes

Há algumas décadas, temos recorrido ao nosso dicionário digital, chamado Google, para a elucidação de palavras diversas, quando não as conhecemos ou ainda para obtermos mais informações sobre assuntos diversos.

Recentemente, tive a curiosidade de saber quais foram os termos mais pesquisados em 2020 no Brasil e apareceram os seguintes: coronavírus, lockdown, Donald Trump e Pantera Negra. Fiquei refletindo sobre a relação entre essas palavras e confesso que me ocorreram alguns devaneios de ordem literária bem interessantes, que não vêm ao caso comentar aqui.

Fui aprofundando um pouco mais a minha pesquisa e descobri quais foram as palavras mais buscadas mundialmente no Google, no ano passado: pandemia e lockdown. Quando penso que poucos anos atrás, uma das palavras mais pesquisadas mundialmente no Google era amor, fico novamente a devanear, como quem sonha com os anos dourados de uma época sem máscaras e álcool gel.


O que mais se pergunta no Google?

Empolgada com o tema, refinei ainda mais a minha pesquisa e constatei que não é só de palavras que vive o Google, o que seria dele sem as nossas perguntas. Verifiquei que, em 2020, o que o brasileiro mais perguntou ao Google foi: o que fazer na quarentena? Considero essa pergunta muito sábia, nela está contida, de forma sutil, uma preocupação, um cuidado em agir o mais rápido possível para não surtar em meio à pandemia, é preferível formular a referida pergunta do que inverter a ordem da mesma, que seria: quarentena, o que fazer? Denotaria muito mais uma espécie de desespero do tipo: apertem os cintos, o piloto sumiu.


Realizando essa pesquisa, tenho percebido que as palavras pesquisadas mudam com o decorrer do tempo, bem como as perguntas e a vida é assim, uma impermanência constante. Pode ser angustiante e desafiador, para alguns de nós, lidarmos com esse aspecto de nossa existência.


"as palavras pesquisadas mudam com o decorrer do tempo, bem como as perguntas e a vida é assim, uma impermanência constante."

O experimento de pesquisar nesse mundo cibernético determinadas palavras, em determinada época, sob certas circunstâncias, reflete, em parte, o nosso estado de presença naquele momento, seja isso autêntico ou não. E, diante disso, faço alguns questionamentos: o que nos move a buscarmos o significado dessas palavras em diferentes momentos de nossa existência? Será que nos damos conta daquilo que mais buscamos entender, definir, compreender?


Continuei cavoucando mais um pouco e descobri uma ferramenta que pode ser muito útil para psicólogos, marketeiros, blogueiros, escritores, dentre outros, chamado Google Trends. Ele permite acompanhar a evolução do número de buscas por uma determinada palavra-chave ou tópico ao longo do tempo. Através desse recurso, encontramos os temas que têm sido mais discutidos na internet, instigando esses e outros profissionais a produzirem conteúdos condizentes com os assuntos buscados pelo público cibernético. Parece bem interessante, não é?!


"É legítimo esse aporte cibernético, eu diria que é um caminho sem volta no bom e no mau sentido."

Caminho imposto ou caminho escolhido?

Todavia, esse recurso pode fornecer mais do mesmo, ao proporcionar uma massificação de informações para um público ávido por se manter informado a qualquer custo, a despeito da fonte que veicula tais informações. Com as restrições ao convívio social, impostas pela pandemia, estamos mais conectados à tecnologia e à internet do que antes, seja devido a demandas laborais, como também à necessidade de nos conectarmos aos outros humanos ou ainda, pasmem, de termos momentos de lazer: lembram das lives??? É legítimo esse aporte cibernético, eu diria que é um caminho sem volta no bom e no mau sentido. No bom sentido, porque nos tem permitido uma maior “liberdade” do que o mundo real. No sentido negativo, pode desencadear o surgimento da síndrome da dependência digital, ou seja, a nomofobia. No Google, nomofobia é o medo irracional de ficar sem o seu tefefone celular ou aparelhos eletrônicos em geral e está relacionado ao vício em outras tecnologias como computadores e videogames.


Em 2020, realizei um curso on line, intitulado: Competências Profissionais, Emocionais e Tecnológicas para Tempos de Mudança, em que um dos palestrantes era o Leandro Karnal, historiador contemporâneo brasileiro, o qual foi muito feliz ao afirmar que deveríamos ser curadores das nossas leituras, dos nossos filmes, do nosso tempo, dos nossos hábitos, da nossa alimentação, principalmente, nesses tempos pandêmicos. Segundo o Google, curadoria é o ato, processo ou efeito de curar; cuidado. Por exemplo, num museu, existe um curador, que seleciona e organiza uma exposição, com critério e relevância, sendo o principal responsável pelos elementos de arte exibidos para a apreciação do público.Seria algo assim que Karnal sugeriu que façamos com alguns aspectos do nosso cotidiano, ou pelo menos, os mais importantes.


No universo cibernético, se faz ainda mais necessário realizarmos esse trabalho de curadoria. Em nosso ócio, precisamos aprender a escolher, com parcimônia, entretenimentos e conteúdos para além dos terabytes e gigabytes saborosos que nos são oferecidos. Necessário se faz também buscarmos o desfrute dos pequenos bytes que nutrem o nosso ser, agregando sentido para a nossa existência.


 

Joyce de Brito Lima - Psicóloga , Psicoterapeuta do PAS - Programa de Atendimento Social do IGC e ex-aluna do Curso de Formação em Gestalt-terapia Clínica do IGC. Visite: www.joycebrito.com.

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