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Foto do escritorSilverio Karwowski

O Segredo da Felicidade

Nesse post faço comentários sobre a entrevista da BBC News Mundo com Matthiueu Ricard, considerado o homem mais feliz do mundo, e em que pese tal consideração, para ele é a maior piada do mundo. Estabeleço alguns comentários e breves correlações com a Gestalt-terapia, afim de construir pistas ou caminhos para os interessados nesse desenvovimento.


Na foto, Matthieu Ricard, doutor em biologia molecular, monge budista do mosteiro Shechen Tennyi Dargyeling, no Nepal, e assessor pessoal do Dalai Lama, assim como seu intérprete. Foto: Getty Images.


Pela positividade com a negatividade

Está cada vez mais difícil perscrutar a mídia em busca de matérias positivas sobre a condição social geral, pois vivemos um contexto de flagrantes contradições nos âmbitos sociais, políticos e de saúde. Apenas de modo ilustrativo a essas contradições, cito os alarmantes índices de mortalidade atribuídos à COVID-19 e a crescente ausência de prevenções; a presença de imunizantes (vacina) e a politização impeditiva de seu uso; a necessidade de distanciamento social junto às necessidades de afeto, contato físico e manutenção da saúde mental; dentre outras.


Então, quando me deparo com um texto que discute a felicidade reajo como quem encontra uma pepita no garimpo! Pois considero urgente discutir exaustivamente as positividades junto às negatividades, dentre elas, a felicidade: existe um segredo para a ela? Sua busca deve ser realmente um motivo de preocupação? Qual o modo seguro de obtê-la?


"E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter; o defeito não depende da idade, mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão..." (Aristóteles)



Sem pretender apresentar ou endossar qualquer fórmula, receita, método ou indicação de caminho para ser feliz, me chamou a atenção a matéria produzida pela BBC News Mundo e publicada no G1, intitulada O segredo da felicidade de Mathiueu Ricard, o 'homem mais feliz do mundo', texto sobre o qual faço aqui alguns comentários.


Primeiro gostaria de salientar que a consideração de Matthiueu como "o homem mais feliz do mundo" é resultado de medições de estados cerebrais (ressonâncias magnéticas nucleares) para detectar o nível de estresse, irritabilidade, aborrecimento, prazer, satisfação e dezenas de outras sensações diferentes, cujos resultados são expressos em uma escala que varia de 0,3 - muito infeliz a -0,3 - muito feliz, sendo que os resultados de Matthiueu são de -0,45, índice superior a todas as referências até então. A medição nos apresenta uma possibilidade de traduzir condições abstratas em indicadores precisos, servindo assim como referência para, por exemplo, criar o conceito de felicidade pública, por sua vez auxiliando os países na construção das políticas públicas.


A questão principal diz respeito a transformação do resultado em elemento competitivo subjacente a expressão "homem mais feliz do mundo" que na entrevista da BBC, Matthiueu contesta com insistência, declarando inicialmente ao repórter: "Pense por cinco segundos: como alguém pode saber o nível de felicidade de 7 bilhões de seres humanos? Não faz sentido, certamente não do ponto de vista científico". Pela alcunha dada a Ricard, não se trata de apenas ser feliz, mas de ser mais feliz que outros, fazendo assim com que a competição imediatamente destrua aquilo que pretende medir. A eleição do "mais" transforma todo o restante em "menos" e sutilmente sugere a necessidade de superação da felicidade do outro, procedimento que ao meu ver, em si, levam a satisfações efêmeras e não a condições genuínas de felicidade.


"Todos os estudos neurocientíficos mostraram que cultivar a atenção, a compaixão e nos libertar de pensamentos obsessivos produz mudanças tanto funcionais quanto estruturais no cérebro." (Matthiueu Ricard)

O que é felicidade

Quando o entrevistado é arguido sobre o que é felicidade, responde com sabedoria que ela é mais uma forma ideal de ser, sendo resultado do desenvolvimento de muitas qualidades, a seu ver, fundamentais, tais como o altruísmo, paz interior, liberdade interior, compaixão, equilíbrio emocional, resiliência, equilíbrio interior, e outras. Diverge o entrevistado sobre a localização da fonte de felicidade em elementos externos, como a fortuna por exemplo, embora não a condene. De fato, converge com Aristóteles na necessidade de cultivo das virtudes como um importante caminho para o alcance da felicidade.


Outro aspecto que me chamou a atenção na entrevista diz respeito à tentativa do repórter em atribuir a condição de "homem feliz" de Ricard a características genéticas. Segundo o respondente, na condição de biólogo, portanto conhecedor da ciência e dos estudos da epigenética, os genes podem não se manifestar ou não ser, de acordo com condições externas e que, graças a neuroplasticidade cerebral, podemos mudar, principalmente através de treinos, altruísmo e meditação.


Encontro nessa afirmação uma demonstração clara daquilo que a Gestalt-terapia já preconiza: o fato de que o desenvolvimento psicológico não ignora as condições biológicas ou sociais, mas situa-se no "modo", "forma" como nos relacionamos com ambos, localizando-se portanto na relação e não na razão ou no mundo. Nada mais fenomenológico e verdadeiro!


Existe segredo para a felicidade?

Mas, quando perguntado se existe algum segredo para a felicidade, Matthiueu Ricard não hesita: altruísmo e compaixão. Sente-se muito satisfeito por precisar de tão pouco para viver, pois na sua visão, não é o sexo e o dinheiro os elementos que trazem a felicidade e nem tampouco trazem a tristeza ou infelicidade, mas o apego a eles. Enquanto gestalt-terapeuta, entendo o apego como gestalten que não fecham, impedindo o ciclo contínuo de construção e destruição de necessidades ou, dito de outro modo, a dinâmica de sentidos que a vida precisa ter. Não importa tanto se o objeto do apego é o dinheiro, o sexo, uma ideia, uma perspectiva política ou o poder; mas sim o impedimento do sentido, os significados subjacentes que se não suficientemente examinados, constroem prisões, nomeadas de obsessões, imposições sociais, obrigações e até mesmo de apego.


Entendo que a inquietação do ser humano para ser feliz remonta aos gregos, talvez até antes, mas ao que não me falham os registros, Aristóteles, em Ética A Nicômaco (300 a.C.), começa sua explanação com a pergunta sobre as coisas e suas finalidades, para apontar que o fim último de todas as buscas é ser feliz. Eu poderia me deter sobre essa questão e explorar todas suas nuances, passando pelas obtenções mais efêmeras que buscam algumas pessoas, até chegar ao tão discutido sentido de vida, aspecto importante e tão fora de uso nas grandes mídias, redes sociais e conceitos de marketing. Mas realmente, querer ser feliz sem se perguntar o que é possível fazer para isso, é como esperar um prêmio lotérico, sem jamais ter feito qualquer aposta. Sem dúvidas, os desejos são muitos e os caminhos são vários, embora todos eles apontem para essa tal felicidade.


Eu poderia resumir a entrevista de Matthiueu nos seguintes pontos: 1) individualmente não há possibilidade de ser mais ou menos infeliz, a despeito das nossas mensurações; 2) a felicidade não é simplesmente uma sucessão interminável de sensações prazerosas, mas uma forma ideal de ser que resulta do cultivo de muitas qualidades fundamentais; 3) é possível sentir-se bem por ficar satisfeito facilmente com muito pouco; 4) o segredo da felicidade, para o entrevistado é o altruísmo e a compaixão; 5) elementos como sexo e dinheiro não são impeditivos de ser feliz. Os obstáculos são o apego, o vício no sofrimento, nos estados mentais aflitivos e ausência de reconhecimento do potencial de transformação interna; 6) não existem predefinições, sejam elas biológicas ou sociais.


Acredito que ainda falta à Gestalt-terapia, examinar em profundidade elementos como o apego, o altruísmo e felicidade. Principalmente no que considera e relaciona com sua teoria e prática. Que a entrevista citada aqui nos sirva para instigar a busca de profundidade, seja pela angústia evocada ou pelo desejo de vida plena que pode ser chamada inclusive, ser feliz.


 

Para ver a entrevista, acesse:


*Silverio Karwowski é psicólogo, gestalterapeuta e professor univeritário. Atualmente dirige o IGC - Instituto Gestalt do Ceará e é o editor responsável pelo Blog IGC.

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